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ALLAN KARDEC

PERFIL

Anna Blackwell, tradutora das obras de Allan Kardec para a língua inglesa,

Pessoalmente Allan Kardec era de estatura média. Compleição forte, com uma cabeça grande, redonda, maciça, feições bem marcadas olhos pardos, claros, mais se assemelhando a um alemão do que a um francês. Enérgico e perseverante, mas de temperamento calmo, cauteloso e não imaginoso até a frieza, incrédulo por natureza e por educação, pensador seguro e lógico, e eminentemente prático no pensamento e na ação. Era igualmente emancipado do misticismo e do entusiasmo... Grave, lento no falar, modesto nas maneiras, embora não lhe faltasse uma certa calma dignidade, resultante da seriedade e da segurança mental, que eram traços distintos de seu caráter. Nem provocava nem evitava a discussão mas nunca fazia voluntariamente observações sobre o assunto a que havia devotado toda a sua vida, recebia com afabilidade os inúmeros visitantes de toda a parte do mundo que vinham conversar com ele a respeito dos pontos de vista nos quais o reconheciam um expoente, respondendo a perguntas e objeções, explanando as dificuldades, e dando informações a todos os investigadores sérios, com os quais falava com liberdade e animação, de rosto ocasionalmente iluminado por um sorriso genial e agradável, conquanto tal fosse a sua habitual seriedade de conduta que nunca se lhe ouvia uma gargalhada. Entre os milhares de pessoas por quem era visitado, estavam inúmeras pessoas de alta posição social, literária, artística e científica.

Fonte: DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritualismo (Cap. 21). São Paulo: Ed. Pensamento, s/d.

Alexandre Delanne,

Ninguém saberia, melhor do que eu, reconhecer as raras qualidades de Allan Kardec e render-lhe justiça.Muitas vezes, em minhas longas viagens, vi o quanto era ele amado, estimado e compreendido por todos os adeptos. Todos desejavam conhecê-Io pessoalmente a fim de lhe agradecerem por ele lhes ter dado a luz através de suas obras e lhe testemunharem sua gratidão e seu inteiro devotamento. Eles ainda o amam até hoje, como a um verdadeiro pai. Todos lhe proclamam o gênio e o reconhecem como o mais profundo dos filósofos modernos. Contudo, estarão em condições de o apreciar em sua vida privada, isto é, em suas ações?Poderiam avaliar a bondade de seu coração, seu caráter tão firme quanto justo, a benevolência de que usava em suas relações, a caridade efetiva que inundava sua alma, sua prudência e sua extrema delicadeza? - Não!

Muito bem! É deste ponto de vista, senhores, que hoje vos quero falar do autor de O Livro dos Espíritos, já que por muitas vezes tive a honra de ser recebido em sua intimidade. Como testemunhei algumas de suas boas ações, creio não ser descabido fazer algumas citações aqui.

Um amigo meu de Joinville, o Sr. P..., veio ver-me certo dia. Fomos juntos à vila Ségur, a fim de visitar o Mestre. No decorrer da conversa, o Sr. P... narrou a vida de privações por que passava um compatriota seu, já avançado em idade e a quem tudo faltava, inclusive agasalhos para se cobrir no inverno, e obrigado a proteger os pés desnudos em toscos tamancos. Esse homem de bem, entretanto, longe estava de se lastimar e, sobretudo, de pedir auxílio: era um pobre envergonhado.É que uma brochura espírita lhe caíra sob os olhos, permitindo-lhe haurir na Doutrina a resignação para as suas provas e a esperança de um futuro melhor.

Vi, então, rolar uma lágrima compassiva dos olhos de Allan Kardec e, confiando ao meu amigo algumas moedas de ouro, disse-lhe: "Tomai-as para que possais prover às necessidades materiais mais prementes do vosso protegido. E, já que ele é espírita e suas condições não lhe permitem instruir-se tanto quanto ele desejaria, voltai amanhã. Sereis portador de todas as obras de que eu puder dispor, a fim de as entregar a ele". Allan Kardec cumpriu a promessa e hoje o velhinho bendiz o nome do benfeitor que, não satisfeito em socorrer sua miséria, ainda lhe dava o pão da vida, a riqueza da inteligência e da moral.

Alguns anos atrás, recomendaram-me uma pessoa reduzida à extrema miséria, expropriada violentamente de sua casa e jogada sem recursos no olho da rua, com a mulher e os filhos. Fiz-me intérprete desses infortunados junto ao mestre. No mesmo instante, sem querer conhecê-Ios, sem mesmo inquirir de suas crenças (eles não eram espíritas), Allan Kardec forneceu-me os meios de os tirar da miséria, o que lhes evitou o suicídio, pois já haviam decidido libertar-se do fardo da vida, tornado pesado demais às suas almas desalentadas, caso tivessem que renunciar à assistência dos homens.

Enfim, permiti que eu narre ainda o seguinte fato, em que a generosidade de Kardec rivaliza com sua delicadeza.

Um espírita, residente num lugarejo situado a vinte léguas de Paris, havia pedido a Allan Kardec que lhe concedesse a honra de uma visita, a fim de que assistisse às manifestações espíritas que com ele se produziam. Sempre solícito, quando se tratava de prestar um obséquio, e atento ao princípio de que o Espiritismo e os espíritas devem assistir os humildes e os pequenos, logo partiu, acompanhado de alguns amigos e da Sra. Allan Kardec, sua estimada companheira.

Não teve por que se arrepender de sua resolução, porquanto as manifestações que testemunhou foram verdadeiramente notáveis. Mas, durante sua curta permanência ali, seu anfitrião foi cruelmente afligido pela perda súbita de uma parte de seus recursos. Consternados, os pobres dissimulavam o seu pesar tanto quanto lhes era possível. Todavia, a notícia do desastre chegou a Allan Kardec e, no momento de partir, tendo-se informado da cifra aproximada do prejuízo, remeteu ao administrador da cidade uma soma mais que suficiente para restabelecer o equilíbrio financeiro da situação do seu hospedeiro. O lavrador só tomou conhecimento da intervenção de seu benfeitor após a partida deste.

Eu não pararia de falar, se me fosse dado lembrar os milhares de fatos deste gênero, conhecidos tão-somente por aqueles que ele socorreu; porque ele não aliviava apenas a miséria material, mas também levantava, com palavras confortadoras, o moral abatido, e isto sem que sua mão esquerda soubesse o que dava a direita.

Antes de terminar, impossível resistir ao desejo de vos revelar este último fato. Uma tarde, certa pessoa de minhas relações, que passava por cruéis provações, mas que a todos ocultava sua miséria, encontrou na portaria uma carta lacrada, restrita a estas simples palavras: "Da parte dos bons Espíritos", contendo recursos suficientes para ajudá-Ia a sair da crítica situação em que se achava. Do mesmo modo que a bondade do mestre lhe descobrira o infortúnio, meu amigo, guiado por alguns indícios e pela voz do coração, logo reconheceu o seu anônimo benfeitor.

Eis o coração desse filósofo, tão desconhecido durante sua vida! A despeito de tudo, quem mais do que ele, tão bom, tão nobre, tão grande em suas palavras quanto em suas ações, foi mais alvo da injúria e da calúnia? E, contudo, não tinha como inimigos senão os que não o conheciam; porque, quando o apreciavam melhor, mesmo sem partilhar suas opiniões filosóficas, eram forçados a render homenagem à sua boa-fé.

Seus críticos, que dele não conheciam senão a bandeira, tentaramindispô-Io contra a opinião pública, sem averiguar se os boatos que produziam não continham o menor fundamento. Mas ele empunhou essa bandeira tão altiva e firmemente que nenhuma mancha foi capaz de atingi-Ia, e a lama com que a queriam encobrir apenas sujou a mão dos panfletários.

Caro Mestre, nobre e grande Espírito, paira, em tua majestade, sobre os que te amam e respeitam! Observa os que te são inteiramente devotados! Continua sobre eles a tua intervenção caridosa e protetora! Transmite às suas almas o fogo sagrado que te anima, a fim de que, profundamente convencidos dos imortais princípios que professaste, possam eles marchar sobre tuas pegadas, imitando tuas virtudes! Faze que reinem entre nós a concórdia, o amor e a paz, a fim de que possamos reunir-nos a ti, quando houver soado para nós a hora da libertação!

Fonte: KARDEC, Allan. O Espiritismo em sua Expressão Mais Simples e Outros Opúsculos de Kardec. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2010.

E. Muller,

A tolerância absoluta era a regra de Allan Kardec. Seusamigos, seus discípulos pertenciam a todas as religiões: israelitas,maometanos, católicos e protestantes de todas as seitas; de todas asclasses: ricos, pobres, sábios, livres-pensadores, artistas e operários, etc. Todos puderam vir aqui, graças a esta medida que nãocompromete nenhuma consciência e que será um bom exemplo. Mas, ao lado desta tolerância que nos reúne, devo citaruma intolerância, que admiro? Fá-lo-ei, porque, aos olhos de todos,ela deve legitimar esse título de mestre, que muitos dentre nós lheatribuímos. Essa intolerância é um dos caracteres mais salientes desua nobre existência. Ele tinha horror à preguiça e à ociosidade; eeste grande trabalhador morreu de pé, após um labor imenso, queacabou ultrapassando as forças de seus órgãos, mas não as do seuespírito e do seu coração.

Educado na Suíça, naquela escola patriótica em que serespira um ar livre e vivificante, ocupava seus lazeres, desde a idadede quatorze anos, a dar aulas aos seus camaradas que sabiam menosque ele.

Vindo para Paris, e sabendo falar alemão tão bemquanto francês, traduziu para a Alemanha os livros da França quemais lhe tocavam o coração. Escolheu Fénelon para o tornarconhecido, e essa escolha denota a natureza benévola e elevada dotradutor. Depois, entregou-se à educação. Sua vocação era instruir.Seus sucessos foram grandes e as obras que publicou, gramática,aritmética e outras, tornaram popular o seu verdadeiro nome, o de Rivail.

Não satisfeito em utilizar suas notáveis faculdadesnuma profissão que lhe assegurava uma tranqüila comodidade, quisque aproveitassem os seus conhecimentos aqueles que não podiampagar, e foi um dos primeiros a organizar, nesta época de sua vida,cursos gratuitos, ministrados na rua de Sèvres, no 35, nos quaisensinava Química, Física, Anatomia comparada, Astronomia, etc.

É que havia tocado em todas as ciências e, tendo-asbem aprofundado, sabia transmitir aos outros o que ele mesmoconhecia, talento raro e sempre apreciado.

Para este sábio dedicado, o trabalho parecia o elementomesmo da vida. Por isso, mais que ninguém, não podia suportar aidéia da morte tal qual então a apresentavam, tendo como resultadoum eterno sofrimento ou uma felicidade egoísta e eterna, mas semutilidade, nem para os outros nem para si mesmo.

Era como predestinado, bem o vedes, para espalhar evulgarizar esta admirável filosofia que nos faz esperar o trabalho noalém-túmulo e o progresso indefinido de nossa individualidade, quese conserva melhorando-se.

Soube tirar dos fatos, considerados ridículos e vulgares, admiráveis consequências filosóficas e toda uma doutrina deesperança, de trabalho e de solidariedade, semelhante ao verso deum poeta que ele amava:

Transformar o chumbo vil em ouro puro.

Sob o esforço de seu pensamento tudo se transformavae engrandecia, aos raios de seu coração ardente; sob sua pena tudose precisava e se cristalizava, a bem dizer, em frases dedeslumbrante clareza.

Tomava para seus livros esta admirável epígrafe: Fora da caridade não há salvação, cuja aparente intolerância ressalta atolerância absoluta.

Transformava as velhas fórmulas e, sem negar a felizinfluência da fé, da esperança e da caridade, arvorava uma novabandeira, ante a qual todos os pensadores podem e devem inclinar-se, porque esse estandarte do futuro leva escritas estas três palavras:

Razão, Trabalho e Solidariedade.

É em nome desta mesma razão que ele colocou tão alto,em nome de sua viúva, em nome de seus amigos que eu vos digo atodos que não mais olheis esta fossa aberta. É para mais alto quedevemos erguer os olhos, para encontrar aquele que acaba de nosdeixar! Para conter esse coração tão devotado e tão bom, essainteligência de escol, esse espírito tão fecundo, essa individualidadetão poderosa, bem o vedes vós mesmos, medindo-a com os olhos,esta fossa seria demasiado pequena, e nenhuma seria bastantegrande.

Coragem, pois! E saibamos honrar o filósofo e o amigo,praticando suas máximas e trabalhando, cada um no limite de suasforças, para propagar aquelas que nos encantaram e convenceram.

Fonte: KARDEC, Allan. Revista Espírita 1869 - maio. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2009.